sexta-feira, 28 de maio de 2010

HominisCanidaee - Entrevista Nelson Barreto (o Amnese)…

Amnese é um termo grego para alguma coisa relacionada a memória (mnesis), acredito eu que o A tenho sentido de negação no alfabeto grego, mas isso não é importante agora. Porque Amnese também é o pseudônimo adotado pelo violonista, compositor e cantor Nelson Barreto para nomear sua banda fictícia criada em 2003. Sob a alcunha de “Amnese” lançou três álbuns e dois Eps, sendo revelado apenas em seu trabalho mais recente, “Sofia e a curva do céu”, que Amnese como banda não existia. Em todos os trabalhos anteriores, o trabalho de composição, gravação e execução das canções havia sido dividido com outras cinco pessoas que nunca existiram.


A Amnese faz música experimental com o emprego de instrumentos acústicos de forma não usual na tentativa de mesclar diversas influências de rock alternativo, lo-fi, rock progressivo e pós-rock. Todos os discos do Nelson, com o pseudônimo de Amnese foram lançados virtualmente pela Sinewave e estão disponíveis pra download no HominisCanidaee.


O último trabalho do Nelson “Sofia e a curva do céu” entrou na lista dos 50 discos nacionais mais relevantes da primeira década deste século, feita pelo pessoal do HominisCanidaee. Na época da lista, o Thiago escreveu o seguinte “Sofia e a Curva do Céu é uma verdadeira obra prima. Contando com um instrumental de dar inveja, o cd é baseado na literatura de Friedrich Nietzsche, o qual narra a história do “Egoísta” que após fugir do mundo, busca entendê-lo no alto da “Curva do céu”. Esse foi sem dúvida um dos melhores discos nacionais de 2008 e figura com méritos na lista...” E por isso, achamos interessante fazer uma entrevista com o pai da banda fictícia e projeto experimental, o Nelson Barreto...


1. Por que houve a criação do Amnese como banda inicialmente, com personagens fictícios e não como é hoje, um projeto musical de Nelson Barreto?

Ok, melhor pergunta do que essa para começar não teria que haver mesmo. A resposta mais sincera é que não sei muito bem porque inventei essa história, meio que aconteceu, não foi assim tão premeditado quanto pode parecer. Lembro que tinha gravado o Songs em 2003, à época em que me mudei para Campinas, morava sozinho, passava muito tempo reservado e tinha gravado umas músicas no computador. Alguns amigos pediam para ouvir, colocava apenas o meu nome lá, só que não me sentia muito confortável com isso. Boa parte eram versões de músicas que havia composto para a minha banda Empty Eyes, que veio a acabar no final daquele ano. Quando a EE terminou, resolvi postar essas músicas na internet. Primeiro postei sob a alcunha de Teardrop, por causa da canção do Massive Attack, e logo em seguida de Amnese já com as personas. No fundo era mais uma questão de esconder a autoria mesmo, ou então de tornar o trabalho um pouco mais palpável, menos ficto, menos impossível.


Acontece que depois de criar a idéia, eu terminei gostando e a levei um pouco mais a sério durante a gravação de Apatheia. Foi nesse álbum que as personagens tiveram uma função que foi a de me esconder, de fato. O álbum tratava de um assunto delicado a mim, uma homenagem póstuma extremamente íntima e trágica, e quanto eu mais escondesse a verdadeira autoria e inspiração, melhor me parecia naquele momento. Passado isso, com Sofia e a curva do céu, já não mais me parecia ter sentido continuar essa história, e ai sim, de forma premeditada, encerrei esse pequeno conto. Compreendí que não mais fazia sentido isso quando da gravação do Zumbis, então, iniciei a planejar como seria o fim da farsa para o lançamento posterior.


2. Como surgiu a idéia do projeto musical?

Nunca houve uma idéia para surgir, tudo simplesmente aconteceu. Como citei brevemente na resposta anterior, eu tocava na Empty Eyes, e era o compositor dela. As primeiras gravações surgiram como extensão desse período, pegava as músicas que havia composto para a banda e fazia algumas versões acústicas das mesmas, isto para contrastar com o som original que era extremamente sujo. Tempo atrás encontrei uma versão de Void (the dark song) gravada com a banda em algum ensaio, e nossa, era muito diferente, sujo, distorcido, com gritos, outro clima, completamente diferente.


Por isso eu não gosto muito da palavra “projeto”, nunca vi Amnese desta forma. Nunca houve um planejamento, um objetivo, as coisas simplesmente foram ocorrendo, por isso, a verdade é que Amnese não é um projeto, é algo mais concreto para mim, é uma realização e não uma projeção.


3. As pessoas próximas a você sabiam desde o início que os outros membros da banda nunca existiram?

Não sei precisar muito bem quantas pessoas sabiam ou não. Lembro que à época do Songs levava isso mais na brincadeira, do tipo, “será que alguém algum dia vai se tocar que na verdade eu estava sozinho ali?”. Já no Apatheia eu fiz mais questão de me manter anônimo, e as personagens era um bom escape para isso. Posso dizer que irmão, namorada, alguns poucos amigos e o pessoal que tocava na EE sabiam da história, inclusive o Pedro Raspado que também era da EE participou tanto do Apatheia quanto do Sofia. Mas em geral a verdade é a maior parte dos meus amigos hoje sequer sabe que eu sou Amnese, boa parte nem imagina que eu passo noites gravando, outros mal sabem que eu sei tocar algum instrumento. É estranho como eu consegui manter certo anonimato mesmo em tempos de privacidade tão escancarada. Às vezes eu gosto de pensar que é minha identidade secreta. O legal é que ter certos segredos, muitas vezes faz bem, é interessante viver com algo a esconder, ajuda a manter o meu interesse.


4. O que é de fato o famoso apartamento 136?

Bom, essa simples: excetuando um período em que morei na Espanha é onde eu moro desde que vim para Campinas em 2003 e, por consequência, aonde gravei a maior parte dos meus trabalhos.


5. Até onde o curso de filosofia influenciou seu trabalho com a música?

Então, na verdade nunca cursei Filosofia, terminei fazendo uma faculdade um pouco menos interessante, mas com um pouco de filosofia no currículo. O fato é que eu gosto de Filosofia, mas a sua influência se restringe ao Sofia. Songs é pura aborrecência, músicas que compus quando tinha entre 15 e 17 anos, simples assim. Apatheia é morte, sem metáforas, sem divagações ou grandes reflexões, Apatheia é morte. Sofia é filosofia, por si só. Estava impregnado por Nietzsche nesse período devido ao meu trabalho de conclusão de curso, que relacionava o filósofo alemão com alguns pontos específicos do meu curso, então a influência aconteceu pelo simples fato de que entre 2007 e 2008 minhas leituras se resumiam a livros dele.


O que pouca gente sabe é como Sofia começou e talvez isso explique muita coisa. Em janeiro 2007, em uma viagem de ônibus, amanhecendo um céu de azul bem claro, me veio a cabeça o nome “Sofia na curva do céu”, que depois virou Sofia e a curva do céu. Todo o resto, músicas, letras, temas, veio tudo depois. Sofia foi o disco que surgiu pelo título, todo o resto foi uma tentativa de escrever um trabalho para o qual pudesse dar este nome.


6. Nas letras você esbarra em uma poesia fora do comum. Isso é natural ou requer muita reflexão e rascunhos?

Engraçado isso, nunca ninguém me havia questionado a respeito das minhas letras. A verdade é que não sou poeta, não leio poesia, e muito provavelmente, se não tivesse o amparo da harmonia da música, sequer conseguiria manter a métrica de uma letra. Não posso dizer que é natural, como se pegasse um papel e a letra saísse inteirinha, mas também nunca refleti muito para escrever algo. As letras sempre vieram por último, depois das canções. Em Sofia, a primeira canção a ter letra foi O egoísta e a fuga e a última, ao contrário do que pode se pensar, O dia em que resolvi sumir, ambas saíram com muito facilidade, talvez a última até se encaixe no mais próximo ao natural, já que foi feita no exato momento da gravação. Já Aonde se dobra o céu, puta que pariu, foi difícil pra cacete dizer o que eu queria nela, e nem sei se consegui muito bem.


Agora o que sempre foi muito bem pensado, tanto em Apatheia quanto em Sofia, é o tema a ser tratado e a linearidade da história, muito mais do que as letras em si, que no final apenas se tornaram a materialização das idéias anteriores de que eu teria que ter uma canção em determinada posição do disco que tratasse disso ou daquilo.


7. Existe alguma chance do projeto amnese virar banda e rolarem shows ao vivo?! Ou isso nem passa na sua cabeça?!

Houve uma época em que pensei nisso, e pensei muito, mas hoje posso dizer que não há qualquer chance de isso vir a acontecer. Amnese nunca poderá ser uma banda, pois se fosse, já não mais seria Amnese. Hoje eu entendo que Amnese sou eu, e me considero indivisível. Mas isso não exclui a possibilidade de um dia eu montar uma banda, e até tocar uma ou outra música da Amnese, mas não muitas. Amnese vai ser sempre assim, mudar não teria sentido, e como uma banda não seria mais Amnese, não consigo dividir isso com os outros.



8. O álbum Sofia, veio com alguns videos no youtube, quem fez os videos e como se deu a idéia de realizar tais registros?!

O primeiro vídeo veio ainda com Apatheia, para a canção Memento Mori e havia sido creditado a um dos personagens, apesar de ser meu. Se tratava de algumas imagens que gravei em uma viagem de Campinas à Minas Gerais. A repercussão desse vídeo foi legal, algumas pessoas conheceram Amnese através dele, por isso, seguindo a mesma idéia, fiz a montagem para dois vídeos do Sofia com imagens que fiz na Colômbia e no Peru, quando estive a visitar alguns amigos por ali. A idéia de fazer os vídeos foi a de divulgar a música através de uma mídia diferente, combinando a músicas às imagens.


9. Este álbum novo que está gravando, fale um pouco sobre ele: influências, o que será retratado, "pegada" e o que mais achar necessário.

Ah, o álbum novo. A primeira coisa que posso dizer é que ao contrário do que aconteceu com Sofia, este álbum não se iniciou pelo título, pois não existe um para ele. Compus algumas canções e estou trabalhando na gravação de três delas, todas instrumentais, por enquanto, o que não necessariamente significa que não possam vir a ter letras um dia. Mas o fato é que ainda não tenho uma história a ser contado, e sem uma boa história, um disco não vale a pena. Tampouco sei quando ele estará pronto, é impossível prever, principalmente sabendo que sempre demoro um pouco a gravar.


Mas tudo está ainda tão no começo, que fica difícil dizer o que pode sair disso. Eu acho que cada vez termino me aproximando mais do rock progressivo, mas não necessariamente estou gravando um disco de prog. Nesse tempo depois de Sofia, musicalmente conheci muita coisa diferente, mas isso por si só não garante que haverá uma nova influência no meu som. Eu não consigo controlar isso, e até prefiro que seja assim, melhor gravar aquilo que vêm a mim do que forçar algo que eu não sou para que se pareça com algo que já tenha dado certo antes.


Eu não quero regravar Sofia e a única coisa que espero, ou tento, é conseguir ir além da Curva do céu dessa vez, se não, não teria sentido continuar a gravar.


1 comentários:

Ferraz disse...

Olá. Represento o Coletivo Cultural Rasgada Coletiva de Sorocaba. Gostaria de enviar-lhes material por correio, como faço?

9 de agosto de 2010 às 12:13