Henrique Geladeira e Dante Augusto: Brothers of metal
Fonte: O Inimigo
Dante Augusto e Henrique Geladeira são duas das figuras mais atuantes na cena roqueira de Natal. É fácil topar com os dois em shows, movimentações e barulhos que rolam por aí. Também, pudera: os dois tocam em algumas das bandas locais que mais deram o que falar em 2008. Dante toca e canta guitarra no The Sinks, Tight Pants Attack e no Calistoga, que também tem Henrique na formação. Juntos, os dois engrossam as fileiras do Camarones Orquestra Guitarrística e ainda arrumam tempo pra tirar uma grana tocando na noite com o The Cashs, banda cover com propósitos assumidamente financeiros. A dupla também está envolvida na produção e gravação de boa parte dos discos gravados nos estúdios do DoSol, o que correspondem a quase 80% da produção fonográfica natalense. Se não fossem caretas, seriam os Toxic Twins locais. Ou os brothers of metal, como queiram.
Os dois bateram um papo com O Inimigo em plena noite de terça-feira, à base de coca-cola e batata frita (pra eles) e umas boas cervejas (pra nós).
Hugo Morais - Pra começar falem um pouco da infância de vocês, o que vocês cresceram escutando. Deve ser algo diferente do som que vocês fazem hoje em dia, não é?
Dante Augusto - Com certeza. Comecei escutando coisas que meu pai escutava como a maioria das pessoas. Os discos que ele tinha em casa. Meu pai era roqueiro, então já rolava Pink Floyd, Black Sabbath… Essas coisas mais pesadas. Muito Beatles, Dire Straits também.
Alexis Peixoto - Todo pai curte Dire Straits.
Tiago Lopes - E com quantos anos você decidiu montar uma banda ou várias bandas?
Dante - Quando eu comecei a querer tocar um instrumento, por volta dos 13 anos. Eu queria tocar bateria. Acho que todo mundo começa querendo tocar bateria. Só que a casa do cara é pequena, bateria faz barulho, é mais caro… Aí, o pai dá um violão pro cara (risos). Daí, eu peguei o violão e comecei a desenrolar. Fui conhecendo outras coisas também, Nirvana. O Nevermind mudou a minha vida.
Alexis - Henrique, fala um pouco aí das suas memórias de infância, roqueiras ou não.
Tiago - Seu pai curtia Dire Straits?
Henrique Geladeira - Pior que não!
Todos [surpresos] - Não??!!
Henrique - Talvez sim. Mas a praia do meu pai era mais Bee Gees, um lance mais pop. Apesar de ele ser motoqueiro, ele escutava mais essas coisas. Elton John…
Tiago - E você também começou a tocar na mesma época, como foi?
Henrique - Mesma coisa. Queria tocar bateria, mas acabei pegando um violão. Aprendi a tocar destro, apesar de eu ser canhoto. Aí, num verão da vida, violão, galera na praia…
Tiago - Alguém aí tocava cover de Legião?
Dante - Tocava, claro.
Henrique - O cara começa com as músicas mais fáceis. Legião, “Palpite”… Acho que a primeira música que eu aprendi a tocar foi “Palpite” (risos).
Tiago - E a primeira banda?
Henrique - Tive várias. Tinha uma que chamava Acorda, Galado. Outra nem nome tinha. Tocava sempre em festa de aniversário, festa de Halloween, rolava sempre. E em intervalo de colégio, feira de ciências.
Hugo - Atualmente, vocês dois tocam em várias bandas. Isso é uma saída para dar vazão a todas as influências e gostos pessoais de vocês? Porque as bandas são muito diferentes umas das outras.
Dante - É bem isso. Atender todas as necessidades.
Henrique - A gente gosta de tocar e gosta também de muitas coisas diferentes. Tem época que a gente quer tocar tal coisa, mas não podemos mudar uma banda inteira de acordo com uma vontade. Aí, a gente faz outra banda (risos).
Hugo - Mas na hora de priorizar, não rola um conflito? Como vocês resolvem isso?
Dante - Como a gente se uniu primeiro no Calistoga, ela acaba sendo a base. Todas as outras vieram depois.
Alexis - Fala um pouco do começo do Calistoga.
Dante - Eu tinha acabado uma banda minha, que chamava Estigma e que tocou muito pouco. Henrique tocava no Radial. A gente se conhecia dos shows de hardcore que rolavam. Era na época da Geladeira Discos, então vinha muita banda de fora, a cena de hardcore tava massa aqui em Natal. Começamos a frequentar a casa do outro, tocar e aí surgiu. Estávamos ouvindo muito Fugazi, Hot Water Music e aí, enveredamos por esse estilo. Chamamos Tripinha, que na época tava começando a tocar bateria. E Gustavo [Rocha, baixista do Calistoga] já tocava com Henrique no Radial. Começamos a compor, mas no início não saiu muito o que a gente queria não. Agora é que tá começando a chegar lá. Do [álbum] New Way to Say pra cá é que conseguimos chegar mesmo à proposta da banda.
Henrique - Foi quando a gente conseguiu que alguém ouvisse a gente.
Dante - E foi a partir daí que conseguimos tirar a sonoridade que a gente queria.
Tiago - E o Sinks e o Camarones Orquestra Guitarrística, como surgiram?
Dante - Foca tinha acabado o Allface e, segundo ele, o que dava trabalho era porque a banda tinha muita gente. Então, ele queria montar outra banda com pouca gente e queria um cara que cantasse em inglês e tocasse guitarra, pra eliminar logo dois coelhos com uma reada só. E na época, só quem tava fazendo som em inglês em Natal era o Calistoga e o Automatics. Aí, ele me convidou. Fui lá, vi umas músicas dele, mostrei umas coisas a ele, umas letras que eu tinha e as músicas foram saindo. E aí Foca chamou Marcelo [baterista do Sinks, ex- General Junkie]. Ele tinha um sonho de tocar com Marcelo há muito tempo e não esconde isso de ninguém.
Alexis - E isso de cantar em inglês, como é essa questão do idioma? Você já compõe pensando em inglês?
Dante - Sempre compus em inglês, desde que comecei a tentar fazer letra. Todas as minhas influências são em inglês e até as bandas brasileiras que eu gosto cantam em inglês. Aí, foi natural.
Tiago - E o Camarones, como começou?
Dante - Também foi idéia de Foca. Ele tava querendo montar uma banda pra Ana Morena tocar baixo e que fosse instrumental.
Henrique - A única coisa que mudou da idéia original da banda é que seriam quatro guitarristas. O Marlos [Ápyus, vocalista da Experiência Ápyus] ia tocar também. Só que ele não teve tempo e tal, e acabou não rolando. Acho que foi até melhor. Não por ele, mas é que talvez fosse guitarra demais. Quando vamos tocar já dá trabalho pra equalizar três, imagine quatro.
Tiago - Se você for pensar, existe pouco palco em Natal que comporte essa formação.
Dante - Pois é. Aí Foca tava vendo essa ascensão das bandas instrumentais, tipo Macaco Bong, Dead Rocks, Retrofoguetes e quis montar uma banda desse naipe. Chamou a gente, chamou Kalango [guitarrista] e fez uma reunião.
Tiago - Ele já tinha todo o projeto todo na cabeça? Tinha que ter três guitarristas, tinha que ser instrumental…
Henrique - Já, o conceito todo tava pronto. Tinha até o nome. Normalmente, ele já chega com tudo pronto.
Hugo - Vocês estão produzindo no estúdio do DoSol a maioria dos discos que vem saindo nos últimos tempos por aqui. Como funciona o esquema com o estúdio? É uma parceria do tipo “me ajuda hoje que eu te ajudo amanhã?”
Dante - Exatamente. A cena não é gigantesca, todo mundo é amigo. Quando o cara vai gravar lá no estúdio já é seu brother, você já conhece. E se não é, vira.
Alexis - Como é o diálogo de vocês com as bandas dentro do estúdio? Vocês opinam sobre os arranjos, dão sugestões sobre os timbres e tal?
Henrique - Depende muito da abertura da banda. Tem banda que não quer que você bote o dedo. Isso é tudo conversado antes. Se a banda der essa abertura, a gente opina. Em timbre, voz, melodia, até mudança de arranjo.
Alexis - As bandas daqui já entendem a importância da figura do produtor musical, pra dar um toque no estúdio?
Dante- Acho que ainda não. Um pouco.
Henrique - O cara tem que confiar na gente, conhecer nosso trabalho. Senão, não adianta.
Alexis - Vocês têm alguma referência de produção musical?
Dante - No Brasil tem o Mestre, do RockLab de Goiânia. O Fernando Sanchez, do estúdio El Rocha de São Paulo, Yuri Fraiberg do Rio Grande do Sul.
Tiago - E da gringa, algum nome?
Dante - Os nomes consagrados. Rick Rubin, Andy Wallace. Dos discos gringos que a gente curte, 90% foram eles que fizeram.
Hugo - Vocês chegaram a estudar produção musical. Fizeram cursos e tudo, não?
Henrique - Eu fiz um curso em Salvador, de áudio básico e gravação digital.
Dante - Eu fiz um curso de produção musical na UFRN, mas já tinha um embasamento porque eu trabalhava no estúdio DoSol.
Henrique - Na real, você aprende na prática. O que o curso te dá é uma abertura pra poder entrar no mercado. Se eu falar que gosto de gravar, você vai me deixar gravar só por isso? Mas se você tiver um curso, você diz “Ok, acho que você sabe fazer alguma coisa”.
Hugo - 2008 foi um ano bom pras bandas locais. Muitas saíram para tocar fora, gravaram discos. Como é que vocês, participantes ativos da coisa, vêem a cena natalense - se é que ela existe?
Dante - Acho que em Natal existe um bom número de bandas. E bandas boas, também. Compare com outros lugares, tipo Cuiabá, que tem o Festival Fora do Eixo. Tem um monte de bandas, mas muitas são ruins. Tem o Vanguart, o Macaco Bong e outra lá mais ou menos (risos). Os caras são ativos, são massa, mas falta banda boa. Aqui, tem menos bandas mais tem mais banda boa que lá. O pessoal tá se agilizando, tem o coletivo Noize agora. Um aspecto negativo da cena é que só tem um lugar pra se tocar, praticamente. Agora que tá abrindo o Sancho Pub, o Sgt. Pepper’s também tá recebendo banda.
Rebeca Correia - Cuiabá tem duas ou três bandas boas, mas que estão indicadas a prêmios, lista de melhores do ano, etc. Se aqui tem mais bandas boas do que lá, porque as bandas de Natal não conseguem a mesma projeção?
Dante - Porque as bandas boas de lá são mais agilizadas do que as bandas boas daqui e estão mais próximas dos grandes centros, onde as coisas acontecem.
Rebeca - Isso não quer dizer que as poucas bandas boas de lá são muito melhores do que as daqui?
Dante - No caso do Macaco Bong, são muito melhores. Mas do Vanguart, não (risos). Os caras do Macaco Bong, estão à frente do Fora do Eixo, são os cabeças, pau pra toda obra. O nome do disco deles é Artista Igual Pedreiro. É um lance que eu acredito muito. É tipo de coisa que rolava nos anos 80, nos Estados Unidos. “Faça você mesmo”. Eu acredito muito nessa filosofia.
Tiago - As coisas estão seguindo o curso natural, então? Ou falta alguma coisa pra rolar essa unidade entre as bandas, como no Espaço Cubo, em Cuiabá?
Dante - Tão seguindo o curso natural, mas eu sempre senti falta desse lance de união. Agora, tem o coletivo Noize…
Tiago - Afora o trabalho das bandas, como é que vocês vêem o trabalho de divulgação da cena na imprensa? Tipo os blogs, os jornais impressos? Vocês prestam atenção nisso?
Dante - Eu não presto tanta atenção. Entro no site do DoSol porque sempre tá atualizado. O ruim dos blogs é que demoram a atualizar. Você entra um dia, depois vai lá uma semana depois e tá a mesma notícia. Nos jornais impressos, quando rola é um “Ctrl + C - Ctrl+ V” da internet.
Alexis - Recentemente o Calistoga, o Camarones e o Sinks fizeram uma turnê pelo interior do RN. Como estão as coisas nos outros rincões do estado?
Henrique - Foram duas cidades, Caicó e Santa Cruz. Ia rolar Currais Novos também, mas acabou furando de última hora. Era muito arriscado (risos). Em Santa Cruz foi uma furada, mas valeu muito à pena. Foi muito interessante, parece que você tá num lugar totalmente distante de onde você veio. A reação do público, as bandas de lá, é tudo diferente.
Dante - É engraçado porque eles estão no interior, mas tão super informados do que tá rolando aqui. “Pô, Festival DoSol vai rolar banda tal, tal e tal”. Tu toca um riff de outra banda na passagem de som e o cara grita “Ah, isso é tal coisa!”.
Alexis - Mas lá é diferente em que sentido? Em termos de estrutura e tal?
Dante- A gente levou a estrutura. Levamos PAs, todos os amps, a bateria toda, microfone.
Henrique - O que a gente usou em Santa Cruz foram duas tomadas e o chão. O resto a gente levou tudo. A gente tocou na Casa de Cultura da cidade. O combinado é que ia ter um cara pra abrir o lugar pra gente, arrumar um galpão pra gente guardar as coisas e ter onde dormir. Só que o cara sumiu!
Dante - Pra gente não deixar as coisas por lá mesmo, dormimos no chão. Armamos uns colchões que a gente levou e pronto. Acordamos às cinco da manhã com o sol na cara.
Henrique - O lugar tava jogado às traças.
Tiago - E Caicó?
Henrique - Foi melhor. Lá tinha som, o pessoal tá mais acostumado, tem mais bandas. As coisas estão mais encaminhadas por lá.
Dante - Lá em Santa Cruz só tocou uma banda com a gente, o Messias. Na verdade, acho que só tem essa banda lá.
Alexis - Apesar dessas experiências bizarras, vocês acham que vale a pena fazer esses shows no interior?
Dante - Vale, com certeza. Como experiência pessoal e pra levar o rock pra lá. Os caras curtiram, se empolgaram muito.
Henrique - Teve gente que apareceu em Natal pra ver o Festival DoSol, encontrou a gente lá.
Tiago - E Mossoró, como é entra nesse esquema?
Henrique - Já toquei lá na época do Radial. Foi legal. Dessas cidades, é a que está mais perto de ter uma cena. Lá tem banda de metal, de hardcore grind, bandas pop. Ainda é pouco, mas existe. E agora tem o pessoal do Catarro agilizando as coisas por lá.
Hugo - Vocês dois são straight edge, mas, ao menos no Calistoga, os outros dois caras da banda não são. Isso interfere em alguma coisa nas atividades da banda?
Dante - Não interfere em nada. Quando a banda começou a gente já era straight edge. É uma coisa própria de onde a gente veio, da cena hardcore. Tanto eu, quanto Henrique, Gustavo e Fernando vieram dessa cena. Então eles já conheciam, já sabiam o que era e como a gente se comportava. Eles respeitam isso e a gente respeita eles também. Gustavo gosta de beber pra caralho, mas isso não influi nada na banda.
Alexis - Alguns anos atrás, 70% das bandas autorais de Natal eram de hardcore. Rolava essa predominância do estilo. Mas hoje, quase não tem, sumiram todas.
Henrique - Porque os locais para tocar acabaram. Tinha o Bar do Pedrinho, MP3, Bar do Caixão. Isso acabou bem na época em que o DoSol começou. Tinha o Vice-Versa, vários bares.
Alexis - Ok, mas porque essa cena não se transferiu pro DoSol?
Henrique - Acho que a galera gosta mais de tosqueira. É o espírito da coisa.
Dante - E também não é segredo pra ninguém, boa parte dessa galera não simpatiza com Foca.
Hugo - E o [Festival] Geladeira em Fúria, Geladeira Discos que fim tomou? Vai voltar à ativa?
Dante - Acho que não. Foi nossa primeira investida nessa coisa de produzir bandas, shows. A gente teve algumas decepções…
Henrique - E fora que a gente era muito jovem, né? Não sabia das coisas. O primeiro show que a gente fez, tomamos 600 reais de prejuízo.
Tiago - Porra, e saiu do bolso de vocês? Essa aí foi roots, hein!
Henrique - A gente trouxe uma banda de Curitiba que a gente gostava muito, o Colligeri. Isso em 2004, época em que praticamente não rolavam shows de banda de fora em Natal. A banda era conhecida, mas como não tinha um público pra isso…
Tiago - E pra 2009, o que cês tão armando? Tem alguma banda secreta de Foca? Não, né?
Henrique - Não (risos). A agenda tá bem cheia nesse começo de ano. O Camarones toca no Rec Beat, fomos chamados pro Bananada também, em março. O plano também é gravar um disco cheio, em SMD. Já temos umas quatro músicas próprias, vai ser todo autoral o disco. Só tem uma que é de domínio público. O “Cartoon Medley” lá, que tem a música do Homem Aranha, Flinstones e tal. De quem é a música dos Flinstones? É de todos [N. do E: É de Hoyt Curtin, compositor americano que escreveu também o tema dos Jetsons, Jonny Quest e outros desenhos da Hannah Barbera nos anos 60. Olha o processo!!]. O Calistoga também tá com quatro, cinco músicas prontas.
Dante - A gente quer finalizar umas dez, fechar um disco e gravar tudo de uma vez, pra ficar com a mesma sonoridade. Tipo um álbum conceitual. E queremos lançar no formato físico.
Tiago - Vai rolar tipo uma ópera-rock?
Henrique - Não assim, né? (risos)
Dante - Ainda estamos vendo, talvez não seja tão óbvio. Ainda não temos as letras prontas. O Sinks também vai fazer uma turnê em São Paulo. A gente quer continuar gravando, tocando fora e, quem sabe, fazendo clipe… Essas coisas que a gente não tem muito ainda.
Foto: Rebeca Correia
*Baixe o áudio com os melhores momentos da entrevista aqui.
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